APONTAMENTOS SOCIOLINGUÍSTICOS ACERCA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Douglas Afonso dos Santos, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Sociedade (POSLET), Mestrando, UNIFESSPA, Bolsista FAPESPA. dougaphonso@gmail.com
Eliane Pereira Machado Soares, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Sociedade (POSLET), Doutora, UNIFESSPA. eliane@unifesspa.edu.br
INTRODUÇÃO
Este trabalho é um recorte temático de uma pesquisa de Mestrado em andamento, cujo foco é analisar as Crenças e Atitudes de alunos do curso de Letras acerca do ensino de língua, fazendo uma interface entre Sociolinguística e Educação. Parte-se de uma concepção de língua(gem) enquanto interação, portanto, diversificada, heterogênea, tal qual os sujeitos falantes.
Sabe-se que as ciências linguísticas, em especial a Sociolinguística, têm contribuído de forma significativa no que diz respeito ao ensino de língua, tanto que os documentos de base, como os PCNs e a BNCC, já acenam para a necessidade de uma efetiva educação linguística nas aulas de Língua Portuguesa. Todavia, não se pode negar que, em decorrência da tradição gramatical, colocar em prática o que preconizam essas teorias linguísticas tem sido uma grande barreira enfrentada pelos professores de Língua Portuguesa.
Assim, concernente a essa questão, precisamos esclarecer que a Sociolinguística – com foco na vertente educacional – não é uma rival da gramática normativa e, diferente do que pensam muitos gramáticos, ela não intenta instaurar o “caos” na língua, sendo um de seus objetivos trazer questionamentos acerca de como se tem ensinado a norma-padrão e qual valor se tem atribuído a ela nas escolas.
OBJETIVO
Refletir acerca do lugar que a gramática ocupa nas aulas de Língua Portuguesa, tendo como base os pressupostos teóricos da Sociolinguística Educacional.
METODOLOGIA
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica, tendo em vista que ele é um recorte temático da pesquisa de base teórica de uma dissertação de Mestrado em andamento. No que diz respeito à organização estrutural e aos temas tratados, faz-se uma definição da Sociolinguística educacional, ressaltando as suas contribuições no que tange ao ensino de língua; reflete-se sobre o lugar que a gramática ocupa e aquele que ela deveria ocupar nas aulas de Língua Portuguesa; e mostra-se como essa vertente pode auxiliar no esclarecimento de questões que geram o preconceito linguístico.
PESQUISA DE BASE TEÓRICA
A Sociolinguística Educacional, de acordo com Bortoni-Ricardo (2017), é um importante instrumento para que se consiga, a partir dos resultados obtidos com as pesquisas sociolinguísticas, pensar em possíveis soluções para problemas atinentes ao campo didático-metodológico nas aulas de Língua Portuguesa, que desde sempre tem atribuído demasiada importância à nomenclatura gramatical e deixado à parte a questão funcional.
Silva (2009) coaduna com essa ideia ao afirmar que a reflexão sociolinguística no ambiente escolar tende a tornar as aulas muito mais profícuas, uma vez que propicia a ampliação dos horizontes, agregando aos estudos da fonologia, morfologia, sintaxe e semântica os aspectos que geralmente são ignorados no ensino de língua, a saber, “sexo, etnia, faixa etária, lugar (geográfico), situação econômica, nível de escolaridade etc.” (SILVA, 2009, p. 192), isto é, os fatores de gênese social.
A escola, nesta perspectiva, precisa estar atenta a essa diversidade, a fim de tornar o ensino de língua um mecanismo que tenha por objetivo ampliar a competência comunicativa dos alunos, isto é, que trabalhe os aspectos gramático-normativos sem estigmatizar as variedades que os alunos já possuem, para que, dessa forma, eles sejam capazes de adequar a sua linguagem de acordo com o contexto. Coelho et al. (2015) ratifica:
É papel da escola oferecer condições para que o aluno desenvolva plenamente suas competências sociocomunicativas. Para tanto, deve ensinar a norma culta (e não a norma padrão e muito menos a norma curta), não no sentido de exigir que o aluno substitua uma norma (a dele, vernacular) por outra, mas no sentido de capacitá-lo a dominar outras variedades para que possa adequar seu uso linguístico a diferentes situações. É sempre importante lembrar que usar apenas uma variedade culta nas situações comunicativas que requerem diferentes estilos é tão inadequado (ou disfuncional) quanto usar apenas o vernáculo (tenha ele formas estigmatizadas ou não). (COELHO et al., 2015, p.141)
Trabalhando dessa forma, a instituição escolar contribui para formar o que Bechara (2003) chama de poliglotas na própria língua, ou seja, falantes que conheçam e saibam utilizar com destreza o leque de variedades existentes na língua, percebendo, por exemplo, a diferença entre língua falada e língua escrita, o que pode auxiliar no combate ao preconceito linguístico.
Este, por sua vez, é explicado por Bagno (2015) a partir de um conjunto de oito mitos, a saber: O português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente; brasileiro não sabe português/só em Portugal se fala bem português; português é muito difícil; as pessoas sem instrução falam tudo errado; o lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão; o certo é falar assim porque se escreve assim; é preciso saber gramática para falar e escrever bem; e o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social. Segundo o autor, existe na escola uma tríade que tem corroborado para a manutenção desse tipo de preconceito, formada pelos elementos: gramática normativa, pedagogia tradicional e livros didáticos, ratificando o quão importante têm sido as discussões sociolinguísticas voltadas ao âmbito educacional.
NOTA BIOGRÁFICA
Douglas Afonso dos Santos é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras/Linguagem e Sociedade da Universidade Federal do Sul e Sudeste (POSLET/UNIFESSPA), possui Especialização em Estudos Linguísticos e Análise Literária pela Universidade do Estado do Pará (DLLT/UEPA) e é Graduado em Letras – Língua Portuguesa pela mesma Instituição de Ensino. Participou do grupo de pesquisa intitulado Crenças e atitudes linguísticas na região nordeste do Pará: um estudo sobre o abaixamento das médias, coordenado pelo professor Dr. Jany Éric Queirós Ferreira. No Mestrado, sob orientação da professora Dra. Eliane Pereira Machado Soares, pesquisa sobre as Crenças e Atitudes linguísticas de alunos do curso de Letras acerca do ensino de Língua Portuguesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. 56 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
BECHARA, Evanildo. Ensino da Gramática. Opressão? Liberdade?. 11 ed. São Paulo: Editora Ática, 2003.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de sociolinguística. São Paulo: Editora Contexto, 2017.
COELHO, Izete Lehmkuhl [et al.]. Para conhecer Sociolinguística. São Paulo, Contexto: 2015.
SILVA, Rita do Carmo Polli. A sociolinguística e a língua materna. Curitiba: Ibpex, 2009.
Parabéns pela pesquisa! É importante que nós, enquanto professores e professoras de língua portuguesa, possamos refletir sobre esse lugar que a gramática ocupa ou deveria ocupar nas aulas de língua portuguesa. Gostaria de saber como vocês percebem as contribuições da Base Nacional Comum Curricular - BNCC no que se refere a essa interface, Sociolinguística e ensino de gramática?
ResponderExcluirIrismar da Silva de Sousa
Oi, Irismar, boa noite! Agradeço pelo feedback.
ExcluirA BNCC, no eixo que aborda a temática da Análise Linguística/semiótica, chama a nossa atenção para uma questão muito pertinente, que é a necessidade de um ensino pautado no uso, que possibilite aos nossos alunos, por exemplo, fazerem de forma profícua a distinção das particularidades dos textos escritos e orais. Acerca destes, o documento frisa, entre outros fatores que são próprios dessa modalidade, a reflexão atinente à variação linguística e a necessidade de que ela não seja tratada apenas como um conteúdo específico de uma determinada etapa da educação básica, como tem sido feito, mas como uma prática pedagógica que perpassa todo o período de formação. Acredita-se que ao trazer essa questão para o cerne, a BNCC coaduna com o que preconiza a Sociolinguística Educacional – que a gramática normativa não deve ser o foco nas aulas de Língua Portuguesa, mas um instrumento que auxilia na busca do verdadeiro objetivo: propiciar subsídios para que os educandos sejam capazes de adequar a sua língua(gem) conforme o contexto situacional, seja na modalidade oral ou escrita da língua. É bem verdade que essa reflexão propositiva que o documento traz é um grande desafio, pois vai exigir formações adicionais, cursos de especialização e, quiçá, uma possível mudança nas grades curriculares dos cursos de Letras. Claro que essa é uma visão muito geral (e ousada) sobre o assunto, mas as diretrizes propostas são de extrema importância para que nós consigamos, com base nas contribuições da Sociolinguística, pensar em uma conversão metodológica para o ensino de Língua Portuguesa.
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ResponderExcluirParabéns, Douglas Afonso, pela sua pesquisa! Entretanto, pus-me a pensar sobre sua fala quando ressalta em seu texto que "precisamos esclarecer que a Sociolinguística – com foco na vertente educacional – não é uma rival da gramática normativa e, diferente do que pensam muitos gramáticos, ela não intenta instaurar o “caos” na língua". Tal fato poderia ter sigo gerado e cristalizado no ensino de línguas, em especial a língua portuguesa falada e ensinada no Brasil, por conta de grades curriculares arcaicos dos cursos de letras? O que opinas?
ResponderExcluirValdimiro da Rocha Neto
Bom dia, Valdimiro!
ResponderExcluirAs grades curriculares dos cursos de Letras, a meu ver, são uma consequência, não o problema em si. Elas reproduzem o cenário de quando foi instaurado o curso de Letras no Brasil, voltando-se maioritariamente para a questão da prescrição gramatical. Todavia, como as pesquisas linguísticas, atualmente, têm apontado para novas direções no que concerne ao ensino, há essa necessidade de refletir, também, acerca dessas matrizes curriculares, já que elas tendem a moldar o processo de formação dos futuros professores e, por conseguinte, a sua futura prática em sala de aula.
Olá, bom dia, Douglas.
ResponderExcluirGosto e me identifico com a temática abordada em seu trabalho. A meu ver, discutir as questões da variação linguística no contexto educacional é uma tarefa que precisa ser exercitada diariamente, principalmente pelos professores com formação em Língua Portuguesa. Quando falamos em diversidade linguística com alguns colegas que atuam diretamente com o ensino de LP , a sensação que temos é que existe um grande abismo entre teoria e prática, como se não fosse possível um ensino voltado ao desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Nesse sentindo, questiono sobre o que poderia ser feito para que os docentes possam compreender e desenvolver um ensino em que os alunos possam como afirma Bechara (2003) ser poliglotas em sua própria língua?
Oi, Orniane, bom dia!
ExcluirEu sempre chamo atenção para o fato de que muitos professores vêm de uma formação muito deficitária no que diz respeito à variação linguística, principalmente aqueles que já estão há muito tempo no exercício da profissão, portanto, sabendo que já existem documentos que visam nortear a nossa prática sob o viés da heterogeneidade linguística, é necessário que haja condições para que os professores possam, por exemplo, dar continuidade na sua formação, fazendo especialização, mestrado etc., uma vez que há uma grande resistência no que tange à liberação desses profissionais para se especializarem, o que acarreta na continuidade de práticas pautadas em teorias obsoletas.
Oi, Douglas excelente pesquisa. Diante desse empoderamento linguístico proposto pela sociolinguística, quais seriam as atitudes tomadas por professores em sala de aula para engajamento desse ensino pautado na língua que se usa, que está viva em contexto de dentro e fora do âmbito escolar?
ExcluirOi, Marlon!
ExcluirA principal iniciativa é, sem dúvidas, mostrar aos alunos que a gramática normativa é, dependendo do caso, um dos elementos do processo de variação. Explico. A variação linguística consiste na possibilidade de utilizar dois termos que, apesar de distintos, correspondem a um mesmo referente. Portanto, levando isso em consideração, ao ensinar, por exemplo, os pronomes, o professor pode mostrar que o "a gente", na língua falada, equivale ao "nós" na língua escrita; são dois termos (variantes) que dizem respeito a um mesmo referente, isto é, eles têm o mesmo sentido, e o uso de um ou de outro será de acordo com o contexto situacional. Penso que esse seja o caminho.