UM ESTUDO COMPARATIVO DA OCORRÊNCIA DO APAGAMENTO DO FONEMA /R/ EM POSIÇÃO DE CODA NAS PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 6º E 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Paulo Pereira dos Santos
paulosantosletras@gmailcom
Eliane Pereira Machado Soares
eliane@unifesspa.edu.br
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

RESUMO
Diversos estudos linguísticos já foram realizados sobre o fenômeno de apagamento, sendo esse o mais ocorrente entre os processos fonológicos motivados pela influência da fala na escrita dos alunos. Esse tipo de desvio ortográfico consiste na supressão ou substituição de algum fonema ocorrendo no início, no meio e no fim da palavra. É frequente percebermos na escrita dos alunos a supressão do fonema /r/ na posição de coda silábica, principalmente nos verbos. 

Monteiro (2008) ressalta que mesmo na forma oral mais próxima da padrão, o /r/, morfema marcador infinitivo, dificilmente é pronunciado, o que leva o aluno a omitir essa letra ao escrever. Nesta mesma perspectiva, Bortoni-Ricardo (2004, p. 85) nos diz que “em todas as regiões do Brasil, o /r/ pós vocálico, independentemente da forma como é pronunciado, tende a ser suprimido, especialmente nos verbos infinitivos”. Além desse tipo de apagamento, inclui-se nesse fenômeno, bem comum nas produções escritas e na oralidade de muitos falantes, a redução do gerúndio, ou seja, o apagamento do fonema /d/ em verbos no modo gerúndio “cantando”; “cantano”, dentre outros tipos de supressões.

Este texto traz uma comparação da ocorrência de apagamento nas produções escritas de alunos do 6º e 9º ano do ensino fundamental numa escola municipal em Parauapebas – PA, com o objetivo de levar a uma reflexão sobre a importância de estabelecer estratégias didáticas e metodológicas que oportunize os alunos a compreenderem melhor esse tipo de erro ortográfico, desenvolvendo competências e habilidades necessárias para a produção escrita.

Para refletirmos sobre esse processo fonológico, analisaremos dois gráficos resultantes de uma pesquisa quantitativa sobre os erros ortográficos decorrentes da influência da fala na escrita nas produções textuais de alunos do 6º e 9º ano do ensino fundamental II, realizada por Santos e Soares (2020) no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional (PROFLETRAS) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Um dos grupos de fatores analisados nesta investigação foi a ocorrência de seis processos fonológicos, sendo eles: apagamento, alteamento vocálico, ditongação, monotongação, hipersegmentação e hipossegmentação.

Na pesquisa citada, foram analisadas 116 produções textuais, das quais 29 eram textos de alunos de uma turma do 6º ano e 29 textos de alunos de uma turma do 9º ano, resultando em um corpus com 1.638 dados. Os gráficos ilustrados neste texto, foram produzidos por Santos e Soares (2020), obtidos por meio do programa computacional Goldvarb X que é uma ferramenta de análise estatística frequentemente utilizada em estudos de dados linguísticos.

De maneira geral, levando em consideração os processos fonológicos escolhidos para estudo, foi observado a seguinte distribuição:

Figura 1 - Percentual geral dos processos fonológicos resultantes da interferência da fala na escrita das produções do 6º e 9º ano
Fonte: Santos e Soares (2020, p. 1135)

Observando a figura 1 podemos perceber que o processo fonológico com mais expressividade foi o apagamento, com 453 ocorrências, representando 51,2% do total, seguido de alteamento vocálico, com 139 ocorrências, correspondendo a 15,7%; logo depois, hipossegmentação, com 89 ocorrências, correspondendo a 10,1%; ditongação, com 77 ocorrências, correspondendo a 8,7%; e com menos destaque, o processo de monotongação, com 60 ocorrências, representando 6,8%. 

Vejamos a distribuição percentual dos processos fonológicos nas figuras abaixo analisados separadamente por série. 



Na figura 2, que mostra os índices dos processos fonológicos na produção escrita dos alunos do 6º ano, notamos que o maior percentual está relacionado ao apagamento (49%) e a menor à ditongação (5,9%). Na figura 3, que representa os mesmos fenômenos na escrita do 9º ano, o resultado é um pouco semelhante em termo de ocorrência. Assim como a série anterior, o apagamento (55,1%) apresenta o maior percentual com 177 ocorrências; e o menor a monotongação (3,4%). É interessante notar que os resultados estão muito próximos e indicam até que o apagamento é persistente, sendo ainda maior no 9º ano, contrariando a ideia de que maior escolarização poderia fazer com que este fenômeno ocorresse menos ou até fosse superado. De igual modo, a ditongação também aumentou. Por outro lado, o alteamento vocálico, a monotongação, a hipersegmentação e a hipossegmentação diminuíram.

Analisando separadamente os apagamentos nos textos do 6º ano, observamos 276 ocorrências, sendo 45% de apagamento de /r/; 26,4% de apagamento de /s/; e 3,6% para apagamento de /a/. O restante das omissões de letras representou 25% do total de ocorrências. Já no 9º ano, das 177 ocorrências de apagamento, 40,1% se refere ao apagamento de /r/; 38,4% concernente ao apagamento de /s/; e 8,5% de apagamento da sílaba es- (redução da sílaba inicial do verbo estar). As outras ocorrências de apagamento nesta série representaram 13,0%.

Com esses resultados podemos perceber que o processo fonológico apagamento do /r/ foi predominante nas duas séries investigadas. Notamos também que este fenômeno aparece em diversos vocábulos e em variadas posições, mas ocorre com mais frequência na posição de coda silábica, e consideravelmente nos verbos infinitivos.

A motivação para tal ocorrência pode está relacionado a diversos fatores, podendo ser linguísticos (classe morfológica da palavra, posição da sílaba, gênero textual etc.) e extralinguísticos (faixa etária, grau de escolaridade, sexo, condição socioeconômica etc). Diante disso, é importante a realização de um estudo mais aprofundado que colabore para a identificação e minimização deste problema na escrita.

Com esta análise comparativa é notável a ocorrência do fenômeno apagamento nas produções escritas de alunos tanto no 6º ano quanto no 9º ano do ensino fundamental. O que se espera é que esses erros ortográficos diminuam conforme o aluno avança de série, mas o que notamos é totalmente ao contrário, pois muitos discentes no 9º ano permanecem cometendo os mesmos erros percebidos na série inicial dos anos finais. Na ausência de estratégias que colaborem para a correção desse tipo de erro é possível que esses alunos avancem para o ensino médio e universidade com essa mesma dificuldade de escrita. Contudo, este estudo nos permite refletir sobre as possibilidades didático-pedagógicas para o desenvolvimento de uma proposta interventiva que ajude a superação desses problemas de escrita, bastante comuns na produções dos alunos.

REFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo

MONTEIRO, Carolina Reis. Aprendizagem da ortografia e o uso de estratégias metacognitivas. 2008, 171 p. Dissertação (Mestrado). Federal de Pelotas, Pelotas.

SANTOS, Paulo Pereira dos; SOARES, Eliane Pereira Machado. Uma análise da escrita nos textos de alunos do ensino fundamental. Fólio - Revista de Letras, v. 12 n. 1. p. 1327-1350, 2020.

Comentários

  1. É possível que está supressão crie futuramente uma nova variação de palavras que constem inclusive em dicionários formais?

    Sara Brígida Farias Ferreira

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    1. Olá, Sara!
      A inclusão de palavras em um dicionário leva em consideração, as regras ortográficas e morfológicas da nossa língua, entre outros critérios. Sendo assim, é provável que as palavras com esse tipo supressão não sejam incluídas no dicionário por serem consideradas, por muitos estudiosos da área, como erros ortográficos. A supressão do /r/ é considerado um fenômeno que ocorre naturalmente na fala de muitos usuários do português brasileiro independentemente do extrato social no qual o falante está inserido e da situação comunicativa de interlocução, mas esse critério não é suficiente para a inclusão desse tipo de apagamento em dicionários formais

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  2. Vocês poderiam citar algumas estratégias de intervenções didáticas para a redução do problema do apagamento do fonema R na fala e na escrita dos alunos das referidas séries abordadas no trabalho?

    Aline Tarcila de Oliveira Lima

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    1. Olá, Aline! Obrigado pela pergunta.
      São várias as possibilidades de atividades que podem ser trabalhadas em sala de aula para a minimizar a ocorrência dessa supressão na escrita dos alunos, mas é importante a identificação da motivação desse fenômeno para selecionar as atividades mais adequadas. Podemos citar como proposta interventiva, atividades envolvendo histórias em quadrinhos do personagem Chico Bento da Turma da Mônica que apresenta em seu modo de falar peculiar a omissão do /r/ no final de palavras, principalmente nos verbos. Contextualizadas com esse gênero podem ser realizadas atividades com questões de múltipla escolha, de preenchimentos de letras, palavras cruzadas, ditados, entre outras. É interessante ressaltar que em relação a fala é necessário levar os alunos a entenderem que a ocorrência dessa supressão na oralidade é normal, mas chamar atenção para o uso delas em situações comunicativas adequadas, apresentando a eles algumas variações linguísticas que ocorrem no português brasileiro. Já em relação a escrita, o aluno precisa compreender que essa modalidade exige em determinados gêneros textuais uma adequação, respeitando as normas ortográficas, aproximado assim da escrita padrão.

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  3. Paulo,
    Em primeiro lugar, parabéns por seu trabalho.
    Gostaria de saber se sua pesquisa foi impactada pela pandemia e o que você fez para corrigir os percalços?

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    1. Olá, Valéria.
      Acredito que a pandemia tem causado muitos atrasos na vida acadêmica em relação às pesquisas que estão em andamento, mas diante dessa situação atípica, tivemos a oportunidade de nos reinventar. Uma das primeiras fases dessa pesquisa que consistia na coleta de dados (produções textuais) foi realizada sem nenhum problema, porém a proposta interventiva que seria pautada no uso das tecnologias digitais de informação e comunicação planejada para ser desenvolvida no laboratório de informática da escola, no qual todos os alunos teriam acesso a ferramenta (computador) para realizar as atividades com acesso à internet, teve que ser adiada devido ao isolamento social.

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  4. Parabéns Paulo pelo trabalho. As variações linguísticas sempre devem ser salientadas de forma sucinta e clara.

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  5. Parabéns pelo belo trabalho, Paulo.
    O apagamento do fonema (r) é percebido na fala com muita frequência. Geralmente o falante suprime esse fonema, como quando diz "Quero falá com você". Talvez a dificuldade esteja na pronúncia do r final.
    Sua pesquisa é de grande relevância para os estudos linguisticos, especialmente dentro dos estudos da variação linguística.

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  6. Olá, bom dia.
    Paulo, sua pesquisa foi realizada em séries/anos. O professor que atua nessas séries são, geralmente, profissionais com formação específica em Língua Portuguesa e que portanto, presume-se possuir as competências necessárias para lidar com as questões da variação linguística. Como você próprio mencionou, a ideia é que ao longo da escolaridade esses fenômenos linguísticos sejam reduzidos, no entanto, ainda se observa o contrário, a cada ano que o aluno avança os fenômenos de variação ainda persistem. Nesse contexto, poderíamos inferir que essa presença e resistência de alguns fenômenos de variação da língua falada na língua escrita tem também relação com o processo de formação desse docente que não consegue ainda desenvolver um ensino pautado em uma pedagogia sensível as questões da diversidade? A forma como esse professor compreende os conceito de língua, variação e ensino pode estar de alguma forma implicando nesse ensino e fazendo com que as metodologias de aprendizagem não sejam eficazes nesse processo de compreensão de como se fala e como se escreve?

    Orniane Guimarães Bahia

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